sábado, outubro 09, 2010

A denúncia incompleta da Veja

Do blog Com Texto Livre

A denúnica da Veja:
Faltam 5 milhões
Companheira de cela e ex-assessora de Dilma Rousseff foi investigada pelo TCU e Ministério de Minas e Energia por contrato sem licitação que deixou rombo milionário

Diego Escosteguy

A uruguaia Maria Cristina de Castro era uma jovem sindicalista e simpatizante do Partido Socialista quando se apaixonou pelo brasileiro Tarzan de Castro, militante de esquerda exilado em Montevidéu. Corriam os primeiros anos da década de 1970. Os regimes militares no Brasil e no Uruguai, logo em seguida, adernavam em suas horas mais sombrias, determinados a caçar quem lhes fizesse oposição. “Nos conhecemos no camburão”, contou Cristina de Castro a VEJA, numa entrevista há duas semanas.

Em 1970, Cristina de Castro e o companheiro fugiram para o Brasil. Pouco tempo depois, no entanto, a polícia estourou o esconderijo dos dois. Presa e acusada de atividades subversivas, a uruguaia acabou transferida para o presídio Tiradentes, em São Paulo. Lá, veio a conhecer a companheira de guerrilha que, 30 anos depois, mudaria os destinos de sua vida: Dilma Vana Rousseff, presa por militância no grupo de extrema-esquerda VAR-Palmares. Conta Cristina de Castro: “Dividíamos um beliche na mesma cela.

Partilhávamos tudo, nossa intimidade. Ela se tornou uma grande amiga”. Dilma a apelidou carinhosamente de “Tupamara”, referência ao Tupamaros, grupo guerrilheiro que desafiava a ditadura militar uruguaia.

Finda a temporada na cadeia, cada uma seguiu seu caminho. Em 2003, quando Lula assumiu a Presidência da República, a companheira de cela de Cristina virou ministra de Minas e Energia. Dilma se lembrou da Tupamara, que morava em Goiânia e militava no PT. “Dilma me chamou para trabalhar diretamente com ela”, disse Cristina de Castro, que foi nomeada assessora especial no gabinete da amiga. Não se sabe o que credenciou a uruguaia a ocupar um cargo tão relevante e estratégico quanto esse – a não ser a “grande amizade” com a candidata petista à Presidência. Dilma deixou a pasta de Minas e Energia em 2005 para ocupar a chefia da Casa Civil.

Cristina de Castro continua ali até hoje. Já viajou seis vezes ao Uruguai com as despesas custeadas pelos brasileiros que pagam impostos.

Os auditores do Tribunal de Contas da União (TCU) e técnicos do Ministério de Minas e Energia, porém, acusam Cristina de Castro de conduta imprópria que vai muito além, em volume de dinheiro, do que viajar ao país natal por conta dos cofres nacionais. As suspeitas dizem respeito a um contrato de 14 milhões de reais, dos quais 5 milhões podem ter sido desviados. O caso remonta ao primeiro ano do governo, quando Dilma baixou uma portaria concedendo “plenos poderes” para que a amiga coordenasse a modernização da área de informática da pasta.

O que fez a assessora? Em vez de elaborar um plano, montar um projeto e licitar os serviços e produtos necessários, Cristina de Castro entregou tudo ao CPqD – fundação privada com sede em Campinas, que, até as privatizações dos anos 90, pertencia ao sistema Telebrás. Essa fundação faz pesquisas e presta serviços de informática. O CPqD recebe milhões de reais por ano de fundos públicos e tem reconhecida competência em muitas áres de atuação. Não obstante, a fundação CPqD é uma das que mais trabalho dão aos auditores do TCU. Em outubro de 2003, a assessora uruguaia assinou o contrato de 14 milhões de reais, sem licitação, com aquela fundação.
O dinheiro foi pago, mas deu tudo errado – ao menos para o contribuinte.

Os serviços não foram inteiramente prestados. O pagamento sim, esse foi integralmente entregue. O TCU apontou um rosário de ilegalidades no contrato. Não se cumpriram os mais elementares requisitos formais. O plano de modernização, que deveria servir de fundamento para uma posterior licitação dos serviços, foi produzido pelo próprio CPqD. Segundo o TCU, a pasta deveria ter feito licitação. Houve um pagamento de 4,8 milhões para a criação de um “sistema de acompanhamento”, que nunca entrou no ar.

Escreveram os auditores: “O mencionado sistema encontra-se abandonado, sem qualquer serventia”. Diante do descalabro, em 2005 os técnicos recomendaram a aplicação de multa à assessora Cristina de Castro.

Auditores internos da pasta corroboraram a existência das ilegalidades. O resultado da sindicância, contudo, morreu nas gavetas da assessoria jurídica do ministério. Quem era a chefe desse setor, quando Dilma era ministra? Erenice Guerra, que dispensa apresentações.

O processo tramitou lentamente no TCU. Por coincidência ou não, o embaraçoso assunto para a candidata Dilma foi resolvido há poucas semanas. O ministro Raimundo Carreiro, ex-funcionário do Congresso e indicado para o cargo pelo senador governista José Sarney, decidiu levar o caso a plenário. Reconheceu as ilegalidades, mas disse que não haveria razão para punir a Tupamara. Seu voto foi acolhido pela corte. Durante uma semana, VEJA pediu ao Ministério de Minas e Energia, sem sucesso, acesso à prestação de contas do contrato.

Na última quinta-feira, a reportagem foi à sede do ministério, identificou-se na portaria e se dirigiu à sala onde ficam esses documentos. Pediu acesso e foi prontamente atendida. Enquanto manuseava a papelada, assessores da pasta assomaram ao local e, em ato truculento, expulsaram a reportagem. Disse uma assessora, no rompante típico da mentalidade que confunde público e privado: “Não é qualquer um que chega aqui e pode olhar o processo. Isso aqui não é sua casa”. Procurado, o presidente do CPqD, Hélio Graciosa, informou: “Não fomos acionados pelo TCU. Mas tenho certeza de que não recebemos sem fazer o serviço”.

E a resposta prévia do Ministério de Minas e Energia publicada ontem no blog do Brizola Neto:
Esclarecimentos do MME


A propósito dos questionamentos que têm sido feitos sobre a contratação do CPqD para implementação do Plano Diretor de Tecnologia da Informação (PDTI) neste Ministério de Minas e Energia, esclarecemos que:

1)      O PDTI 2003-2005 definiu as diretrizes estratégicas a serem adotadas pela área de Tecnologia da Informação (TI) do Ministério de Minas e Energia (MME), que estava em processo de reestruturação, tendo em vista as novas atribuições de coordenação e planejamento do setor que lhe foram conferidas pela Lei 10.683/2003.

2)      Como órgão responsável por evitar que ocorresse um novo “apagão” no setor elétrico do país, o Ministério estava exposto a uma situação de alto risco e fragilidade em TI, no início do atual governo. Era necessária uma solução racional e urgente para resolver o problema estrutural e a Fundação Centro de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico (CPqD), desmembrada da estrutura do Sistema Telebrás após a privatização, tinha as qualificações necessárias para implementar rapidamente a reformulação de toda a política de TI, pois trata-se de instituição confiável, competente e isenta, sendo provedora de soluções tecnológicas com acervo intelectual de 93 patentes no Brasil e 51 em outros 15 países.

3)      Essa contratação foi objeto de fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU), que, apesar de apontar algumas irregularidades no processo, entendeu as circunstâncias em que foi realizada como atenuantes para determinar o seu arquivamento sem sanções, solicitando apenas que o contrato não fosse prorrogado.

4)      No Acórdão 1342/2005, o TCU considerou que:

a)      “Não se questiona a oportunidade da contratação, ou como já verificamos, a capacidade técnica da Fundação CPqD”.

b)      “Não há dúvida de que a falta de uma equipe específica em tecnologia no Ministério dificulta o planejamento e o próprio encaminhamento das contratações de serviços de TI. Esse fato, juntamente com a possibilidade de contratação de uma entidade que goza da confiança do gestor e que assume, num único ajuste, toda a estruturação tecnológica (software) do órgão, torna a solução integrada bastante atraente”.

c)      “Não há indícios de má-fé por parte dos gestores, nem da entidade contratada”.

d)      “O Ministério não possuía quadro próprio de servidores com formação em tecnologia, o que dificultava a própria elaboração de processos licitatórios e a administração dos futuros contratos”.

e)      “A situação da área de TI exigia uma solução ágil e bem estruturada, com levantamento de informações e planejamento minucioso, o que foi feito com ajuda de técnicos da Petrobras, resultando no documento ‘Situação Atual da TI no MME: diagnóstico e recomendações’, presente às fls. 18/180, anexo I, o qual foi a base para a elaboração do DPTI”.

f)      “Evidente a boa-fé dos responsáveis, não de todo desarrazoada, para sustentar a dispensa, ante a inexistência de dano ao Erário, desnecessária a adoção de medidas mais graves”.

5)      Já no Acórdão 5521/2010, que analisou as contas do MME no ano de 2005 (último de vigência do contrato), o TCU fez apenas ressalvas em relação a falhas na gestão do contrato com o CPqD, observando que:

a)      “Tais falhas não são suficientes para macular as contas dos gestores do MME referentes ao exercício examinado”. 

b)      “As circunstâncias em que se passaram as falhas verificadas, que interferiram na execução do contrato, devem ser levadas em consideração para análise da conduta dos gestores”.

c)      “A crise energética de 2001 certamente trouxe consigo volume extraordinário de trabalho nos anos seguintes, em vista das providências necessárias para afastar o risco de novos eventos semelhantes. Como agravante, à época da vigência do contrato, o MME encontrava-se desestruturado”.

d)      “Não se verificou débito, dado que os serviços pagos foram efetivamente prestados, tampouco locupletamento por parte dos responsáveis”.

6)      A estrutura de TI do MME está consolidada, atende às atuais necessidades de suas diversas áreas e é considerada uma das mais avançadas do governo. O CPqD desenvolveu parte das soluções planejadas, tendo em vista a interrupção do contrato determinada pelo TCU. Foi um auxílio importante na primeira fase da reestruturação do MME, posteriormente complementada com serviços prestados por empresas contratadas conforme as orientações do TCU.

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